sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Pássaros



Hoje me chamo falta. Já fui em outros dias nomeada de saudade. E num passado não tão distante, tinha um nome, ao qual não me recordo mais. Venho nascida de lembranças antigas, todas soterradas em negações e desalento. Estou a minguar pouco a pouco, desaparecendo. 

Sinto que estou fadada a sumir, mas as vezes me inflamo e fortifico, afloro, tal como os pássaros que migram em certas estações e depois retornam ao lar. É como se os laços que me conceberam ainda estivessem timidamente atados por fios tão finos, não tão nítidos a quem os teceu. 

Almejo que tal como os pássaros, que eventualmente deixam o seu ninho, encontre o meu caminho. Renunciar este papel de ausência que represento, ganhando asas e indo para outros lugares no firmamento. Deixando para trás só o bater de asas e o alento que não há mais o que preencher. 

E como falta, outrora saudade, já chamada por um nome agora escondido. Só que de tantas vezes ser solicitada para esquecê-lo, já não sinto zelo em mantê-lo. Ainda sim, quando se deita e aperta seu peito, trago-te fragmentos de sons e palavras ao seu leito. Porque ainda tenho em você meu ninho e nesse berço, esse pássaro ainda insiste em repousar. 





domingo, 26 de agosto de 2018

Estou em transformação


Estou em transformação
é como criar uma conexão
de cada extremidade do teu corpo
com a sua humanidade em crise
recriar-se a cada movimento
partir de um momento
um relato, um alento
usar tudo como concreto 
desde as lágrimas como cimento
até as pedras do descontento
para novas fundações em si
estou em transformação
deixando que cada ação me edifique 
aprendendo aos poucos
que sou meu próprio mar
e que é preciso antes de tudo
se amar






quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Cotidiano infelizmente (totalmente) digital

Cansei de mensagens
de distancias
charminho
da falta de entrega
do vácuo em levas


Cansei da ausência
do contato negado
afastamento
sem mãos dadas
sem olho no olho, nada


Eu quero chama
ardência, encontro
dedos entrelaçados
corpo contra corpo
vivência pessoal


Agora é tudo afastado
medo da voz, 
medo do olho no olho
medo 
de ser, de tocar, de tentar


De medo em medo 
de distância em distância
tudo é desencanto
sem fogo, sem tesão
sem graça, sem nada


Cansei 
de aplicativo, de massas
de parecer sempre igual
de sempre ser sazional
de não sentir no corpo por igual


Eu quero tua voz
da conversa mole
ao papo sério
teus problemas e piadas
quero por inteiro e não só migalhas


Eu quero desejo
vontade de encostar, de me soltar
eu não quero palavras curtas
anseio por algumas loucuras
e uma entrega sem hesitar





domingo, 12 de agosto de 2018

Sirènes

Sob o céu noturno
onde as ondas nascem antes da praia chegar
uma sinfonia de vozes começa a brotar
chamando para abaixo da superfície
convidando todos a penetrar 
nas profundezas do oceano elas residem 


Todos aqueles que no mar se perdem
aos seus braços são levados
todas as almas caídas no oceano em vida
para elas são destinadas
dos não encontrados navegantes, pescadores infantes
aos que nas águas desatentos se deixam afogar


As sereias cantam
te chamando para o seu novo lar
elas conjuram a sua partida
para com elas se enlaçar 
As sereias cantam
à todos aqueles que nas águas estarão a se sepultar


Olhe sob as pedras
quando a noite cai e o sol desaparece 
sobre as ondas que passam
e os navios que se quebram
elas virão te buscar, por isso elas cantam
te seduzindo a com elas mergulhar




terça-feira, 7 de agosto de 2018

Pessoas podem ser pontes

Eu tenho três irmãos
E eu sou a ponte que liga eles,

A mais velha nunca me dá suporte quando eu preciso. Está sempre muito fechada no próprio mundo e no próprio ego para de fato me dar algum auxilio. Ela adora virar o rosto e não ver o mundo desmoronando a volta dela.. sem perceber que uma hora, será o chão dela que irá ruir também, quando tudo se despedaçar

O segundo irmão mais velho, é caotico e agressivo. Vive tentando negar para o universo que é um adulto e o responsável pela casa, pelo irmão mais novo e pelo pai idoso. E enquanto ele não assumir isso inteiramente, de corpo e alma, acaba se perdendo na própria frustração de não ser mais adolescente, enlouquece as pessoas a sua volta com sua falta de compromisso e quando explode, machuca as pessoas que o rodeiam com palavras asperas


Ai chegamos ao mais novo. Que passa 90% do tempo tentando contrariar a todos pq sempre se sente a vitima, quando em geral, ta errado e não sabe admitir o erro. É um imã natural para péssimas amizades, coleciona péssimas escolhas e vive no fio da navalha com a familia, fazendo merda em cima de merda. Eu acabo sendo o coração e o ferro quando lido com ele, sendo direta e brutal com as palavras quando necessário, ao mesmo tempo que tento o envolver de amor e direciona-lo, de volta para "casa", para parte desse "lar"

E temos a mim, que acabo sendo a balança entre esses três ai em cima
que preciso sacudir a irmã intocavel e faze-la se envolver na familia
que preciso conter o estressado e coloca-lo no foco de alguma responsabilidade
que preciso "abraçar" o rebelde sem causa e sem idade e faze-lo entender como nos sentimos quando ele faz todo mundo pirar com as coisas que faz



Mas ninguém pensa, que os alicerces da ponte podem ser avariados
que os fundamentos e a força que a mantém em pé podem ter sido danificados com o passar dos anos
que as rachaduras na estrutura estejam cada mais fundas
e que talvez, a ponte, não saiba se consertar
quem olha pra ponte que está caindo?
quem irá ajudar ela a remendar os pedaços que estão se perdendo?
o que irá acontecer, se um dia, não existir mais aquela ponte que sempre ajudou eles a passar de um lado para o outro?

eu não sei a resposta para essas questões
só sei que as vezes penso que estou me quebrando
pedacinho a pedacinho,
cada dia mais :(